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Pinturas

Reynaldo Roels Jr.

1992

Até agora, a pintura de Suzana Queiroga parecia voltada exclusivamente para uma certa maneira de construir o espaço, melhor dizendo, reconstruí-lo a partir de recortes discretos, montados e organizados de modo a enfatizar, ao final, a sua estrutura exclusivamente formal. A cor, até então, cumpria um papel relativamente marginal: ela existia, porque faz parte da natureza de qualquer objeto existir exibindo uma determinada cor, mas não se poderia dizer que fosse um elemento determinante em sua obra. A própria maneira de Suzana trabalhar o pigmento, acentuando a textura e a manipulação da superfícia, era revelador da materialidade do procedimento pictórico, mas mantinha uma relação discreta com as questões propriamente cromáticas.

Os trabalhos atuais mostram um redirecionamento em sua proposta original. A estrutura espacial foi mantida, e a obra ainda é elaborada a partir de recortes, como antes, recortes esses que estabelecem a relação de continuidade com o pensamento anterior. Só que, agora, a estrutura formal não aparece mais como um fim propriamente dito, mas como um ponto de partida para a elaboração da cor, tratada como um fenômeno válido em si mesmo e quase independente da forma em que se manifesta note-se, quase: não porque o seja de fato, mas porque o que se procura nestes trabalhos é a especificidade da cor em função da forma. Como se a cor de cada um de seus recortes não pudesse ser outra senão aquela que ali está, sob o risco de ele se revelar falso. A cor surge aqui, portanto, como uma necessidade construtiva de todo o resto. Ela sozinha não é capaz de justificar completamente todos os procedimentos da artista, mas responde por parte considerável do “efeito de convencimento”: ela se torna um elemento essencial da arguentação.

Não é preciso ir muito longe na busca de uma origem para esta preocupação: ela tem sido recorrente ao longo da tradição moderna. De Matisse a Barnett Newmann, de Miró a Frank Stella, de Aluísio Carvão a Eduardo Sued, o fenômeno cromático é uma das obsessões mais constantes dos pintires do século XX. E é uma das maneiras mais imediatas de se explorarem as qualidades puramente sensoriais da obra de arte, abrindo espaço para uma atitude lúdica que raramente é permitida à forma exclusivamente.

O trabalho de Suzana, aliás, pode oferecer margem a uma leitura lúdica, a partir do modo como a artista entrega a cor ao olhar: suspensa no ar como se fosse uma pipa. É bom observar que não é esta a intenção primordial do trabalho, contudo. O que importa, neste caso, e à parte quaisquer leituras paralelas possíveis, é a tentativa de encontrar o caráter de necessidade no fenômeno sensível, naquilo que se apresenta ao olhar de maneira única e irredutível, sem o que a pintura deixaria de ter sua justificativa, tornando-se um bom motivo para a nostalgia, não mais uma atividade vital a toda nossa cultura.

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